Tributo a minha mãe Yraci
Infelizmente ela estava bêbada e por se tratar de
uma época em que não havia ultrassom, a parteira descobriu que tinha outro bebê
no ventre de Ana Calixta da Silva - tarde demais; eram as gêmeas Yracy e
Yracema. Por complicações no parto, Yracema faleceu dias depois.
Quando Yracy tinha cerca de um ano e meio, dona Ana
foi lavar roupas em um rio e levou um de seus filhos adolescente para vigiá-la.
Em um certo momento, dona Ana olhou na direção em que deixou os filhos e sentiu
falta da bebê Yracy. “Meu filho.... Cadê sua irmã? ”
“Mãe, eu disse que não queria olhar bebê algum,
então joguei ela no rio. ”
Dona Ana desesperada foi ao local indicado e
implorando a Deus por um milagre, viu um cabelinho boiando na água - segundos
depois de orar. Era minha mãe Yracy.
Algumas pessoas têm de lutar mais para sobreviver,
algumas pessoas sofrem mais do que as outras. Durante muitos anos eu culpei
minha mãe por muitas coisas que passei na vida, as vezes ensaiava para encontrá-la
e abraça-la, beija-la dizer que a amava; mais “travava” frente a frente.
Já em fase adulta, um dia Deus me fez lembrar das histórias
que ela contava de seu passado. Umas delas foi que se casou aos 14 anos com um
homem quase 30 anos mais velho para realizar o pedido de uma mãe católica que
morria de câncer e lhe disse “Yracy estou quase morrendo, se você estiver
solteira quando morrer, minha alma - filha não entrará no céu. ”
Duas filhas de um marido preguiçoso, ausente, cachaceiro,
pobre e safado resultou em muito sofrimento e separação cinco anos depois de
casada. Ainda jovem veio morar em Valadares com duas filhas e pouco dinheiro. Por
causa de sua beleza recebeu até propostas de casamento com um rapaz rico da alta
sociedade valadarense mas, teria de doar suas duas filhas Maria Helena e Maria
Neide para adoção. Ela recusou essa oferta por amor as meninas.
Teve muitos amores ao longo da vida, foi viúva de
dois maridos e um dia me disse que nunca encontrou um homem que prestasse. Para
ela um homem que prestava conseguiria sustentar a família, corajoso, fiel, um
homem de confiança.
Trabalhou muito. O defeito da preguiça ela nunca teve.
Sempre generosa. Honesta ao ponto de ficar sem dinheiro de comprar comida, mas
pagava seus devedores. Já foi pedinte, mendiga, funcionária pública aposentada,
ia lutando para conquistar as coisas honestamente.
Brava, teimosa, nunca conheci uma mulher tão
obstinada na minha vida. Talvez seja pelo fato de ela ter tido de se adaptar a essa situação
para ser pai e mãe de cinco filhos. Eu convivi com ela até aos 8 anos de idade,
por planos Divino fui adotada. Seria a pior filha dela, descendemos de pessoas bravas,
agressivas, violentas entre outros defeitos e eu tinha isso tudo dentro de mim
pronto para explodir se Deus não tivesse me amado e me separado deles na favela.
29/03/2016 não estava escalada para cuidar dela que
esta acamada desde o dia 21/03. Mas Deus me moveu para ir a sua casa e quando lá
cheguei a encontrei com fezes pelas pernas, fraca, delirando. Minha irmã Neide está
dormindo com ela, mas pega emprego as 5h30 da manhã. Minha irmã Leninha e Adélia
iriam ficar hoje com ela, mas a Adélia esta gravida do 8º filho e passou mau. Passei
dia 28 e 29 cuidando dela até a Neide chegar para me cobrir. Hoje especialmente
foi um dia muito impactante. Ela delirou, comeu pouco, disse-me
“Estou com tanto sono e não posso dormir” dorme mãe.
“Não. O médico disse que eu poderia dormir e não acordar mais. ” Ela não consegue esquecer essas palavras do especialista
de rins. Deveria estar fazendo hemodiálise, mas não aguenta. Está com 6% dos
rins funcionando, acompanhado de infecção urinária, anemia, fraquezas, gripe, osteoporose,
potássio alto. Meu irmão Aroldo, aplica-lhe injeção de eritropoetina. Ajuda-a
demais, implora para que more com ele, mas ela sempre se recusa. Não quer morar
com filho algum.
Hoje me senti mau, ao ver o medo da morte nos olhos
dela. Realmente, não fomos criados para morrer. Só sentimos desejo de morrer
quando estamos com alguma doença mental ou espiritual. Ela tem planos de pintar
o quarto de verde, fazer duas bermudinhas. Mas seu corpo não corresponde.
Ela me disse: ‘eu trabalhei tanto na minha vida e
nunca pensei que fosse acabar nessa situação de enfermidade. ”
Ajudou a criar a maior parte dos netos. Deu abrigo
aos filhos e nunca deixou de oferecer ajuda ou alimento a alguém que chegue a
sua casa.
De fato, é muito triste ver alguém com medo de
morrer. Desde que passei a vê-la como pessoa passei a ama-la incondicionalmente
e a ter medo de perde-la para a morte. A
maior parte dos filhos tem medo desse dia. A gente sabe que com a mãe a gente poderá
sempre contar.
Minha mãe e seus filhos